domingo, 27 de março de 2011

alma nua - esta é a minha história I

Uma vez mais passo a noite em claro. Muito mais que ter o sono trocado derivado à não existência de horários para cumprir, o que me priva do sono é a ausência de paz de espírito que há muito tempo se foi. Esta casa está saturada de um ar irrespirável e extremamente carregado, cada uma destas paredes encerra nela muitas memórias que jamais serão esquecidas. Quantas guerras, quanta violência, quanta mágoa, quanta perdição eu tive de presenciar e viver como sendo tudo meu. Eu, a menina (!), era a causa por um não matar o outro. A menina era a causa para o outro não saír de casa. Sempre fui o papel higiénico que literalmente limpava um desentendimento que jamais teve solução. Um desentendimento que ultrapassava quaisquer limites, e eu acredito que se o meu pai não morresse por força e obra do destino ele mataria a minha mãe. Todas estas ideias pertencem agora ao passado, as ideias! As feridas que foram abertas ainda estão por sarar. Preciso de tempo, muito mais tempo. Foram 18 anos e ainda só passou 1 ano e meio. Não consigo entender em mim própria se acredito ou não no paranormal, mas a verdade é que com a noite vem um verdadeiro terror que eu não consigo eliminar. Dormir de luz acesa, indispensável! Televisão ligada tambem, caso contrário sobressalto-me ao mínimo barulho. No fundo não sei do que tenho medo, a lógica é temer os vivos pois eles podem fazer mal, os mortos nada fazem e sabemos onde os encontrar pois de lá não saiem. A culpa de tudo é da minha consciência, desconheço a sua dimensão! Consigo ser a minha consciência e a de outros. Tenho demasiada consciência contida em mim. Será vocação? Ainda estou para descobrir. A minha consciência sabe que ficaram assuntos por resolver entre mim e ele, situações por perdoar, e que terei de viver com esse peso para sempre. A minha consciência sabe que certas atitudes que tive de tomar foram necessárias para proteger outras pessoas, para evitar tragédias que trariam muito mal a esta casa. A minha consciência sabe que hoje sou demasiado branda e "boazinha" com as pessoas, mas literalmente não sei ser má. De tanta maldade que eu tive de viver hoje simplesmente quero viver de bondade.

Mas à parte disso tenho tanta dor contida em mim que não sei como cabe dentro do meu pequeno corpo. Ok, não cabe... Por vezes transborda pelos olhos, na maior parte das vezes estando em solidão no meu quarto. Mas não consegue transbordar pela boca, a mágoa simplesmente me prende a garganta e ordena que fique em silêncio. Porque a minha voz incomoda os meus próprios ouvidos, o meu próprio cérebro que anseia muito por paz!

Não posso dizer a ninguem como é estar assim porque ninguem viveu comigo para compreender, mas posso dar a ideia de como é: Fui uma criança como tantas outras, lembro-me de ir para a escolinha e não brincar com os outros meninos, porque me isolava. E tambem me lembro de ver a minha mãe levar um murro, caír no chão e ali ficar. Tinha 4 anos, pensei que ela tivesse morrido! Acerquei-me dela e comecei a gritar "mae! mae! fala comigo, nao morras!" e ela lamuriou "a minha cabeça vai rebentar..." . O meu pai agarrou-me ao colo e disse "está na hora de ires para a escolinha, não podes chegar atrasada". Vi a minha mãe levantar-se e passado 10minutos já me tinha esquecido, naquela altura. Mas não me esqueci, é uma memória com 16 anos... ; Vi o meu pai ir em direção à minha mãe com uma faca, sendo pequenina apenas consegui agarrar-me à cintura dele por trás e gritar e chorar baba e ranho para ele parar. No fundo adquiri o medo de mais dia, menos dia ver a minha mãe morrer e deixar-me sozinha. Na escola, eu via os pais e as mães dos meus colegas irem buscá-los de braço dado, de mão dada, tratando-se por "querida" e "querido". A mim ia-me buscar aleatoriamente o pai ou a mãe...e em casa tratavam-se por "puta, cabra" "ordinário, bêbado". Dá para entender como se cresce numa realidade destrutiva? Contudo são pormenores que ignorei até aos 13 anos.

Os 13 anos foram extremamente marcantes no meu processo de crescimento. Tomei uma consciência elevadíssima da realidade do mundo à minha volta, tanto que me apaixonei pelo primeiro rapaz e me comecei a revoltar/manifestar com as situações que aconteciam em casa. A minha mãe julgou-me, disse que eu me estava a refugiar num namoro para fugir aos problemas de casa. Nunca irei perceber tal julgamento nem a sua lógica. A partir daí perdi valor para ela. Ela não queria que eu fosse pelo caminho da "perdição", queria que fosse pura e para sempre pura. Que apenas me concentrasse nos estudos. Mas é impossível fugir quando o corpo e a alma apelam à satisfação das suas necessidades em conjunto e eu sou humana, com essas típicas fraquezas. Pensara ela ter gerado algum ser superior? Não fui mais a sua menina, fui uma montanha de decepções até aos dias de hoje.

É certo que o que sou hoje é em parte resultado do meu crescimento em ambiente destrutivo. Tenho dificuldade em socializar, embora consiga disfarçar e tenha algumas amizades graças a isso. Não me sinto aceite, sinto que ninguem gosta de mim, quero conquistar este mundo e o outro mas sinto as pernas enterradas em cimento que secou. No entanto tenho muito mais para dar ao mundo, e consigo ser muito mais, só preciso de me conseguir libertar! Sinto que a pessoa que eu amo não me compreende e me vai deixar sozinha por isso. Não compreende como me sinto, porque permaneço em silêncio, que quero ter a esperança numa vida nova ao lado dele, e que sobretudo não quero passar pelo que a minha mãe passou. Porque foi com ele que aprendi a amar como uma Mulher ama um Homem e é com ele que eu quero ficar, que eventualmente seja pai dos meus filhos. Só preciso de um bom motivo para sorrir e afastar os meus fantasmas. Não me imagino com outra pessoa. Apesar das nossas diferenças e da sua complexidade não conheço ninguem mais simples bem lá no fundo. A sua simplicidade completa a minha. Podemos ter uma vida simples e pacata porque faz parte da essência de ambos. Só preciso de saír daqui, começar do 0. E dar uma nova opurtunidade à vida.

1 comentário:

  1. obrigada e agradeço-te todas as palavras e estás cheia de razão naquilo que dizes.
    beijinhos

    ResponderEliminar